Agropecuária | Publicada em 13/12/2017
A barreira até agora imposta, sob alegação de que o Brasil não pode garantir que seus rebanhos estejam livres da febre aftosa, pode ser contornada. E, além da carne, há espaço para aumentar as exportações de milho, cosméticos, automóveis, entre outros produtos, sem que o importador mexicano tenha que pagar tarifas alfandegárias.
O sinal verde está sendo dado por empresários mexicanos que assessoram o governo de Enrique Peña Nieto nas negociações com o Brasil. E eles têm pressa. Estão propondo que as conversas sejam encerradas no primeiro trimestre de 2018, antes que as campanhas para eleger novos presidentes nos dois países estejam a todo vapor. O México tem eleições em julho e o Brasil, em outubro. O risco de se politizar acordos comerciais é considerável.
A médio prazo, a maior abertura a produtos brasileiros tem a ver com a constatação de que o México precisa diversificar seus fornecedores e seus compradores, reduzindo a grande e histórica dependência dos Estados Unidos. Uma parte dos empresários mexicanos, não a maioria, ainda teme que o acordo de livre comércio com EUA e Canadá, o Nafta, seja destruído pelo presidente Donald Trump. O Nafta deve sobreviver, ainda que modificado, mas as ameaças de Trump estão fazendo com que as empresas mexicanas busquem outras alternativas.
É nesse contexto que Brasil e México, os dois maiores países da América Latina, responsáveis por 60% do PIB e 50% da população da região, podem ampliar seu acanhado intercâmbio comercial. Neste ano, até outubro, foi de US$ 7,1 bilhões, 18% maior do que o mesmo período do ano passado.
“Estamos interessados em abrir nosso mercado ao Brasil”, diz Rafael Nava Uribe, presidente da seção internacional para a América do Sul do Comce, influente associação mexicana que reúne 2 mil empresas exportadoras e importadoras. Nava participa do Cuarto de Junto, grupo de 200 representantes do setor privado que assessora o governo mexicano em negociações comerciais com outros países. Na prática, o governo leva as propostas ao Cuarto de Junto e se este as aceita, o governo volta à mesa de negociações para fechar sua posição.
O diretor geral do Comce, Fernando Ruiz Huarte, também bate na tecla de que é preciso diversificar as relações comerciais. “Não é saudável vender 80% de nossos produtos em um só mercado”, diz ele, referindo-se aos EUA.
O milho, produto central da dieta diária dos mexicanos, é um exemplo da dependência americana. O México compra dos EUA 98% do milho que importa. No ano passado, os produtores americanos exportaram US$ 17,7 bilhóes de milho ao mercado mexicano – isso é cinco vezes mais do que os EUA exportaram em 2014. Diante das constantes ameaças de Trump, de implodir o Nafta, o governo mexicano vem reagindo. O vice-ministro de Economia do México, Juan Carlos Baker, disse recentemente ao “Financial Times” que estava considerando a possibilidade de abrir o mercado para o milho produzido no Brasil e na Argentina. O produto entraria no México sem pagar imposto alfandegário.
A safra de milho nos dois países foi grande neste ano, o que ajudou a aumentar a venda aos mexicanos em 11%, até setembro, em relação a todo o ano de 2016. O volume é pequeno em relação ao vendido pelos EUA – enquanto os americanos exportaram 10,5 milhóes de toneladas aos mexicanos em setembro, o Brasil vendeu 100,8 mil toneladas. Mas Baker sinalizou que o mercado pode ser liberado e que as negociações com os brasileiros estão mais adiantadas do que com os argentinos. O milho, e outros produtos americanos, chegam de trem ao México. O Brasil despacha suas mercadorias de navio. É mais demorado, e corre-se o risco de o grão ficar úmido. Mas Baker observou que o preço do milho brasileiro é competitivo. Até agora, os produtores americanos não parecem estar muito preocupados pois acham que Brasil e Argentina estão apenas aproveitando uma janela aberta pela grande safra deste ano.
“Os empresários mexicanos estão abrindo os olhos para o Brasil e o Brasil está em um momento favorável”, diz João Marcelo Galvão de Queiroz, ministro-chefe da Embaixada do Brasil no México, referindo-se à safra de grãos deste ano. Ele lamenta que o Brasil ainda não esteja exportando carne in natura, uma demanda brasileira que já dura cerca de dez anos.
Nava, do Comce, vê dois caminhos para a carne brasileira no México. Um seria replicar o modelo aplicado à carne uruguaia. “O Uruguai não está totalmente livre de aftosa, mas compramos carne deles. O que fazemos é ter fiscais nossos lá, que liberam a carne”. Ele observa que isso acaba encarecendo a carne, mas é um jeito de entrar no mercado mexicano, dominado pela carne dos EUA. A outra alternativa é usar o instrumento de “reconhecimento mútuo”, ou seja, o Brasil aceitaria a carne mexicana e vice-versa. “Mesmo que o México não exporte carne ao Brasil, e não deverá exportar, seria uma forma de comprarmos carne do Brasil”, diz Nava. Ele lembra que a resistência de seu país em aceitar uma carne proveniente de um país que ainda não está totalmente livre de aftosa deve-se a uma tragédia ocorrida nos anos de 1940, quando essa doença praticamente sacrificou todo o rebanho mexicano. “Isso ficou em nossa memória”.
O Brasil já é um grande exportador de carne de frango, in natura congelada, ao mercado mexicano. Mas a exportação está limitada a uma cota, sob pressão dos produtores locais. “O Brasil ocupa quase 100% da cota. É um mercado novo, que não existia há quatro anos”, diz o ministro-chefe da Embaixada do Brasil no México. Essa cota, também aberta a outros países, expira neste mês de dezembro e não se sabe o que o governo mexicano vai fazer. Segundo a Organização para a Cooperação de Desenvolvimento Econômicos (OCDE), em 2021 o México será o quarto maior importador de carne do mundo, atrás de Japão, China e Estados Unidos.
Brasil e México podem, desde 2002, intercambiar, sem pagar tarifas de importação, 800 produtos, ou posições tarifárias, um número pequeno. Em 2015, os dois países decidiram ampliar este acordo. Até agora, mais 1200 produtos foram incluídos na lista negociada. Dentre eles, produtos químicos para fazer garrafas PET insumo importante para a Coca-Cola Femsa, a maior engarrafadora da Coca-Cola no mundo—e cosméticos, setor onde a brasileira Natura já tem uma operação estabelecida há mais de dez anos no México, com uma força de vendas de 200 mil pessoas.
Os dois países também estão negociando a inclusão de mais 2 mil produtos. Carne e grãos estão nesse grupo, considerado mais sensível. “Ao final de todo, acredito que cheguemos a um total de 5 mil produtos na lista nova”, diz Nava. Açúcar e café, segundo ele, não devem entrar de jeito nenhum. O México exporta essas duas commodities e pretende proteger a produção local. Mas ele defende que se não for possível fechar em 5 mil, o acordo deveria abarcar menos produtos e as negociações, encerradas em março. “Depois, em 2019, reabrimos as discussões, já com os novos governos empossados”.
O acordo automotivo, que permite exportar e importar carros e autopeças, pagando tarifa zero nas alfândegas desde 2002, também está sobre as mesas do Itamaraty e da Secretaria de Economia do México. Em sua versão original, não havia cotas, o comércio estava liberado. Mas, em 2015, o Brasil pediu cotas e reclamou que carros usados importados pelos mexicanos dos EUA estavam tirando mercado dos carros populares brasileiros.
O México, então, começou a exigir que os carros usados vindos do outro lado da fronteira teriam que ter determinado limites de emissão de CO2. Com isso, a importação caiu de cerca de 1 milhão de carros, em 2014, para 50 mil, um ano depois. O sistema de cotas tem prazo para terminar: março de 2018. “Como o governo brasileiro não pediu até agora para manter as cotas, acredito que o comércio será liberado novamente”, diz Nava, lembrando que se trata de um intercâmbio administrado já que as montadoras que estão instaladas no Brasil também operam no México. Ele estima que, encerradas as cotas, as exportações de veículos e autopeças do México possam aumentar 10%, no mínimo, em 2018.
Sobre a mesa dos negociadores brasileiros também há um pedido do México para criar um mecanismo de solução de controvérsias, evitando que eventuais conflitos entre empresas sejam levados à Justiça. Nesse caso, o Brasil tem dito que aceita ideia, desde que esse mecanismo não exija mudanças na legislação brasileira. Os empresários mexicanos ainda estão sugerindo a adoção da “ventanilla única”, ou seja, em vez de o exportador ou importador ficar correndo atrás de vários órgãos governamentais para ter seu produto liberado, ele entregaria a documentação a apenas um funcionário que se encarregaria de recolher os carimbos necessários.
Fonte: Avisite
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