Agropecuária | Publicada em 18/12/2014
Oferta recorde, demanda em queda livre e uma situação inédita levam o ouro negro a cair mais de 20% este ano e coloca o pré-sal em risco.
Acostumados a ficar entre US$ 90 e US$ 110, o preço do barril do petróleo caiu tanto que já flerta com um valor perto de US$ 60. Para o consumidor e as empresas que compram grandes quantidades de combustível – como as companhias aéreas – é ótimo, pois significa gasolina mais barata. Já quem não está nada contente são os produtores que já sentem os reflexos dessa queda.
Grandes responsáveis pela alta generalizada nos preços da commodity que bateram forte na economia global em 1973, Arábia Saudita e Kuwait já deram sinais de que não estão tão incomodados assim com o petróleo mais barato. O motivo é que esses países tentam competir com o gás do xisto dos Estados Unidos que vem ganhando o mercado de combustíveis a passos largos.
A Venezuela, um dos países mais dependentes da exportação do insumo, luta para que os demais membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) reduzam suas produções e causem um aumento do preço. O ministro de Relações Exteriores do país, Rafael Ramírez, já chegou até a afirmar que a Venezuela quer o petróleo novamente no patamar de US$ 100 o barril. Só que dessa vez, os dois países do Oriente Médio já disseram que não. Na última reunião da Opep, o grupo decidiu pela manutenção do nível de produção atual à revelia dos protestos de Nicolás Maduro.
Mais oferta, menos demanda
Em outubro, a Agência Internacional de Energia diminuiu suas projeções de aumento da demanda diária global por petróleo em 250 mil barris por dia. Foi a quarta redução seguida nessas previsões, revelando uma queda expressiva no consumo mundial do combustível. A baixa demanda tem a mesma razão que o movimento observado em praticamente todas as outras commodities. A desaceleração quase generalizada nas economias desenvolvidas foi suficiente para o FMI cortar, no dia 10 de outubro, sua previsão de crescimento do PIB mundial de 3,4% para 3,3% para o próximo ano e de 4% para 3,8% em 2015.
Até mesmo o maior motor do crescimento da primeira década do século XXI, a China, vê dificuldades para expandir sua atividade no ritmo que fazia antes, devendo se contentar com modestos 7,3% de avanço do PIB este ano. O fato deixa evidente a troca de um modelo de crescimento agressivo de curto prazo para um plano de expansão mais conservador e duradouro. Com as grandes economias crescendo menos, é evidente prever que o consumo do petróleo será menor, pois a commodity tem correlação direta com o andamento do PIB global. E enquanto a demanda perde forças, a produção não segue na mesma direção. Se a demanda é fraca e a produção segue estável, o preço só tem uma direção: para baixo.
E o xisto?
No começo do ano, os Estados Unidos já se tornaram o maior produtor mundial de líquidos derivados de petróleo (o xisto sendo um deles). A tendência é de ainda mais crescimento: a produção total de líquidos nos EUA deve crescer para mais de 12 milhões de barris por dia em outubro, sustentando esse nível até o fim de 2015. Esse número é quase 20% maior que a média de 10,2 milhões de barris por dia registrada no ano passado. Com uma ameaça desse tamanho vindo do oeste, faz sentido para os árabes tentar cortar o barato dos produtores de xisto americanos fazendo concorrência com um produto substituto mais barato. O grande problema é que o petróleo tem de ficar muito barato e por muito tempo para enfraquecer os produtores de xisto. Um relatório recente assinado por Bjørnar Tonhaugen, analista da Rystad Energy, com sede em Oslo, mostrou que o Brent teria que se manter em US$ 50 por barril durante 12 meses para gerar uma queda de 500 mil barris diários na produção do derivado.
Brasil: impacto no pré-sal
Se geopoliticamente o Brasil não parece nem um pouco próximo dessa crise, o país ainda enfrenta os efeitos dela – assim como a maior parte dos vizinhos da América Latina. Contudo, os maiores perdedores são a Venezuela e a Colômbia, uma vez que suas exportações de combustíveis equivalem a 8,4% do PIB, explica o Itaú BBA em relatório. "Não é surpresa que o peso colombiano foi uma das moedas com pior desempenho desde que os preços do petróleo começaram a cair", relata o banco. Do lado contrário, quem comemora é o Chile que importa todo o combustível que consome.
No Brasil, a situação é mais complicada. A Petrobras, maior petroleira nacional, ganha do lado do abastecimento, uma vez que compra óleo leve lá fora, mas perde do lado da exploração, já que exporta o óleo pesado extraído. Para o analista de Óleo e Gás do BB Investimentos, Wesley Bernabé, embora a estatal se beneficie no curto prazo, é prejudicada no longo dentro desse cenário, pois o petróleo nos níveis atuais pode inviabilizar os investimentos no pré-sal.
Os planos da estatal no começo de 2014 levavam em conta um preço médio do barril do Brent a US$ 105 ao longo do ano. Em 12 meses, esse valor médio já está em US$ 103,22, o que não pareceria tão preocupante – não fosse o preço do barril ter fechado na faixa de US$ 66 na última semana, sem previsão de um retorno a valores mais altos tão cedo. Segundo a Agência Nacional de Petróleo, o pré-sal só é viável com a commodity sendo comercializada até US$ 60 o barril. Com isso fica cada vez mais distante o objetivo fixado pela companhia de tornar o Brasil autossuficiente em petróleo novamente em 2018. "A própria Graça Foster [presidente da Petrobras] já espera a média do preço do Brent por volta de US$ 85 daqui a quatro anos", lembra Bernabé.
Futuro incerto
Para o futuro, o analista do BB Investimentos vê dificuldade para fazer qualquer previsão pela própria natureza volátil das commodities. "Você tem EUA de um lado e os gigantes do petróleo do outro. É uma briga de forças muito grande em um mercado altamente competitivo", avalia. A última reunião da Opep, segundo Bernabé, foi uma sinalização clara de que os grandes produtores do Oriente Médio compraram a briga. "Só é preciso ver se eles terão munição suficiente para trabalhar nessa nova realidade de preço", opina Bernabé. Enquanto isso, o mundo inteiro tem de se adaptar a um petróleo bem mais barato que o que estava acostumado. O fato trará profundas mudanças na economia de produtores e consumidores.
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