Agropecuária | Publicada em 22/10/2018
Neste momento em que muito se debate o papel do Estado no desenvolvimento sustentável, é muito simbólico o anúncio do Prêmio Nobel de Economia de 2018, compartilhado por dois cientistas americanos. Paul Romer e William Nordhaus foram reconhecidos por integrar, de forma independente, inovações tecnológicas e mudança climática às análises macroeconômicas de longo prazo. Muitos podem estranhar que o Prêmio tenha sido concedido a estudos aparentemente não relacionados, mas uma análise cuidadosa mostrará que, em conjunto, eles contribuem para o tratamento de um dilema bastante contemporâneo: como mobilizar inovações que impulsionem o crescimento econômico e, ao mesmo tempo, ajudem a conter os riscos à sustentabilidade – em especial aqueles decorrentes das mudanças climáticas.
William Nordhaus ficou famoso por
desenvolver estudos e modelos que propõem taxações sobre a emissão de
dióxido de carbono, um gás de efeito estufa emitido quando combustíveis
fósseis são queimados. Segundo ele, o imposto faria os poluidores
pagarem pelos danos que a emissão desses gases causa à sociedade e
incentivaria as empresas a buscar formas inovadoras de reduzir a
poluição. Aí há uma conexão com o trabalho de Paul Romer, que se dedicou
a estudar a forma como as inovações impulsionam a prosperidade e de que
maneira as nações podem incentivá-las. Joshua Gans, economista da
Universidade de Toronto, interpretou bem como os trabalhos de Nordhaus e
Romer se conectam e estão em sinergia: no caso das mudanças climáticas,
“estimando os custos da inação” e no caso da inovação, “estimando os
benefícios da ação”.
De fato, os custos das emissões de gases de
efeito estufa para a sociedade são altos e mais altos ficarão se não
houver uma ação concreta para contê-las. Mas tentar tratar o problema da
proteção ao meio ambiente de forma isolada pode significar impor ao
sistema econômico dominante enormes custos e sacrifícios, tornando a
missão tão difícil a ponto de muitos preferirem ignorá-la, ou até mesmo
negar a existência do problema, como tem acontecido. Por sua vez,
conhecendo e dimensionando o problema, nações podem se dedicar a
formular e implementar políticas públicas e estímulos que levem ao
surgimento de novas ideias e abordagens para fazer crescer a economia e
ao mesmo tempo proteger o ambiente. Portanto, o grande mérito do Nobel
de Economia de 2018 é mostrar como uma contabilidade cuidadosa das
forças econômicas pode indicar caminhos interessantes para a superação
de problemas considerados intratáveis.
O Nobel de Economia deste
ano estimula um olhar cuidadoso ao conceito de “Estado Empreendedor”,
proposto pela economista ítalo-britânica Mariana Mazzucato, que defende
que o investimento público persistente é um requisito fundamental para a
inovação na sociedade. A autora refuta a visão de que o Estado não tem
papel relevante a desempenhar no mundo da inovação, e demonstra que o
setor privado estará mais propenso a investir, uma vez que o Estado
Empreendedor tenha feito investimentos mais ousados e de maior risco. E
esse parece ser exatamente o caminho para a construção de um futuro
sustentável, com um modelo de criação de valor determinado por políticas
públicas e investimentos estruturantes focados em crescimento econômico
inclusivo e sustentável liderado pela inovação.
O interessante
é que em meio a todo o pessimismo associado à nossa persistente crise
política e econômica, muitos não percebem, e pouco se fala, que o Brasil
tem exemplos muito bem-sucedidos do Estado Empreendedor estimulando o
desenvolvimento sustentável. O investimento público em pesquisa
agropecuária, conjugado a políticas de estímulo e suporte adequado, deu
ao Brasil a segurança alimentar e o projetou como grande exportador de
alimentos em apenas quatro décadas. Nesse caso, a ação do Estado, à
semelhança de uma “locomotiva limpa-trilhos”, fez com que o mercado
funcionasse bem, estimulando as empresas a criar e a adotar inovações
que permitiram ao Brasil dispor da agricultura tropical mais avançada do
mundo.
Em função de investimentos públicos em
inovação e políticas públicas adequadas, é cada vez mais harmônica a
relação entre a produção agropecuária e o meio ambiente no Brasil. O
país conta com uma das leis ambientais mais ousadas e sofisticadas do
mundo — o Código Florestal —, além de arrojada política pública de
descarbonização da agricultura — o Plano ABC —, com estímulos à
incorporação de inovações tecnológicas para a recuperação de áreas
degradadas, que são fortes emissoras de carbono, além de diversas
tecnologias que reduzem a emissão de gases e fixam carbono em florestas
ou no solo. Ao incorporar tais práticas sustentáveis, o Brasil já
desponta como um competidor diferenciado, capaz de produzir, por
exemplo, carne com emissão zero de carbono, conforme recentemente
demonstrado pela Embrapa.
Portanto, a agricultura brasileira
expõe de forma inequívoca quão merecida foi a premiação do Nobel de
Economia de 2018. Aqui, a ação do Estado Empreendedor, organizando o
segmento de inovação e viabilizando políticas e investimentos
estruturantes, feitos de maneira correta, conseguiu produzir crescimento
econômico consistente a partir do campo. E, além dos avanços que nos
deram segurança alimentar e capacidade exportadora, o Brasil construiu
um arcabouço de políticas de proteção ao meio ambiente, com estímulo à
incorporação de conhecimento e tecnologias, que não só reduzem as
emissões de gases de efeito estufa, mas também contribuem para fixar
carbono emitido por outros setores da economia.
Maurício Antônio Lopes Pesquisador da Embrapa
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